João Brandão Ferreira
Corre por aí alguma confusão sobre os dois feriados civis nacionais mais importantes, o 10 de Junho (de 1580) e o 1.º de Dezembro (de 1640).
Esta confusão ou discussão existe, fundamentalmente, por causa de saber qual deles deve representar o dia da Independência de Portugal.
Como se sabe, apesar de Portugal ser dos países mais antigos do mundo, de constituir o Estado – Nação mais perfeito da Humanidade (o Japão é um arquipélago e só ficou unido, em 1603), e de ter as fronteiras estáveis mais antigas (Tratado de Alcanizes, de 1297 – perturbado por causa da ocupação ilegal de Olivença, por parte de Espanha), nunca foi estabelecido uma data em que se comemorasse, especificamente, a sua Independência.
Possivelmente porque tal nunca foi preciso dada a fortaleza da nossa individualidade e identidade.
Também não era fácil estabelecer essa efeméride.
De facto se quisermos destacar o acto autonómico primordial, teremos que nos reportar ao dia 24 de Junho de 1128, data do combate de S. Mamede em que o Infante Afonso se rebelou, contra os barões galegos e a suserania leonesa.
Pode, pois, considerar-se essa data como «de facto», mas não «de jure». Esse reconhecimento demorou 51 anos a ser conseguido.
Começou com a elevação de Afonso Henriques a Rei, alçado a essa dignidade pelos seus guerreiros após a batalha de Ourique, em 25 de Julho de 1139; mas o primeiro documento existente em que Afonso I se assina como Rei é de 1140.
De seguida devemos considerar o dia 5 de Outubro de 1143, em que foi assinado o Tratado de Zamora, no qual O Rei de Leão, Afonso VII, reconheceu a independência do Condado Portucalense.
Este tratado era, porém, um tratado regional, faltava o reconhecimento internacional e esse só poderia ser concedido pelo Papa.
Tal reconhecimento obrigou a negociações morosas e complexas e só veio a acontecer através da Bula Manifestis Probatum, de 14 de Maio de 1179.
Esta Independência veio a ser interrompida, em 1580, com a ocupação militar de Lisboa pelo Duque D’Alba e o Marquês de Santa Cruz. Tal ocupação militar, teve o seu epílogo político nas Cortes de Tomar, de 16 de Abril de 1581, onde Filipe foi aclamado rei de Portugal (sem embargo dos Açores só terem sido subjugados em 1583).
É preciso dizer que, teoricamente, Portugal não perdia a sua individualidade, já que Filipe apenas cingia a coroa portuguesa à espanhola (a coroa dual), segundo os ditames sucessórios da época, ao passo que o consignado nas Cortes de Tomar estipulava a mais ampla autonomia e manutenção dos foros próprios dos portugueses. Só quase faltou a Filipe ter mudado a capital para Lisboa…
Porém esta nova situação encerrava uma questão dramática e insolúvel e que era esta: Portugal, como tal, estava impossibilitado de ter política externa própria e herdou automaticamente todos os inimigos da Espanha. Daqui resultava o seguinte paradoxo: Filipe, como rei de Espanha, não podia estar em guerra e, como rei de Portugal, gozar a paz…
Resultado: os portugueses passaram a ser atacados em todo o lado pelos inimigos da Espanha.
Com os sucessores de Filipe I, a nação portuguesa passou a ficar esmagada com impostos e requisições militares ao passo que se deixava de cumprir o estipulado em Tomar. A tirania atingiu o auge com o Conde-Duque Olivares e, aproveitando uma revolta na Catalunha, os três braços do reino (Clero, Nobreza e Povo), novamente unidos, revoltaram-se nessa luminosa manhã de 1 de Dezembro de 1640 e correram com os representantes de Madrid e com os traidores, voltando a colocar no trono português um português.
A assunção dos destinos portugueses por eles mesmos originou uma duríssima campanha política, diplomática e militar que durou 28 anos e se espalhou por quatro continentes e outros tantos mares e que envolveu não só a Espanha mas numerosas outras potências e potentados. No fim os portugueses saíram vitoriosos, apesar das imensas perdas em vidas e cabedais, e bem se pode considerar tal vitória um verdadeiro milagre!
A santa Sé só reconheceu a independência nacional dois anos após o tratado de paz que celebrámos com a Espanha…
Pois é esta gloriosa gesta – que não tem paralelo na História mundial – que um governo que se diz português, mas repleto de portugueses pequeninos – quer apagar da memória Pátria, acabando com a dignidade do feriado concedido há muito (e sempre foi comemorado no País antes de o ser), ao dia primeiro da Restauração.
Este termo também se pode prestar a confusões, já que para uns quer dizer a restauração da independência e, para outros, refere-se à restauração de uma dinastia portuguesa. Aliás, a «Restauração» começou por ser chamada de «Aclamação» (de D. João IV). E cremos que é mais neste sentido que o termo é usado até porque nunca verdadeiramente perdemos a independência (pelo que atrás dissemos).
Independentemente destas semânticas, não há dúvidas de que o 1.º de Dezembro é um grito de liberdade, de individualidade e de querer o retorno da soberania plena, que faz todo o sentido comemorar e, até, estabelecer como símbolo da nossa independência.
O 10 de Junho é diferente.
Nunca ninguém tinha ligado a morte de Camões à independência de Portugal, ou de algum modo a relacioná-lo com uma festa nacional até que o Partido Republicano resolveu aproveitar o tricentenário da sua morte, em 1880, para retirar dividendos políticos.
Desse modo fizeram de Camões, o vate que tinha exaltado e cantado em verso as glórias do apogeu nacional, confrontando-as com a decadência da época – o que, obviamente, se devia ao regime ser monárquico…
Quando ocorreu a tragédia do 5 de Outubro de 1910 (de facto de uma tragédia se trata), o novo governo, por decreto de 12 do mesmo mês, estabeleceu os feriados nacionais, onde constava o 1.º de Dezembro (já proposto, do anterior, pela Sociedade Histórica para a Independência Nacional – fundada em 1861) e, naturalmente, o 5 de Outubro, entre outros.
Mas não proclamou o 10 de Junho feriado nacional, ficando apenas como feriado municipal de Lisboa (na esperança que o mesmo destronasse o 13, dia de Santo António…).
Foi verdadeiramente o Estado Novo que, a partir de 1933, tornou o 10 de Junho feriado nacional, promovendo comemorações em todo o País, chamando-lhe «Dia de Portugal e da Raça, ou dos portugueses».
Desde 1963 e por via das últimas campanhas ultramarinas, passou-se a homenagear os combatentes e as Forças Armadas, nessa data.
Depois do 25 de Abril de 1974, o feriado do 10 de Junho só voltou a ser comemorado em 1978, sendo rebaptizado como «Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas». Porém, os novos poderes retiraram, inexplicavelmente, as FAs de todas as comemorações, o que só veio a ser emendado (!) no primeiro ano de Cavaco Silva como PR.
Uma humilhação funesta para com a FAs e todos os combatentes de todos os tempos, à qual a Instituição Militar não reagiu e a população – de cérebro lavado – nem deu conta…
Assim se passam as coisas no nosso País: ora quando somos Portugal, ora quando somos… portugalinho.