segunda-feira, 14 de novembro de 2011

As razões da dignidade da vida humana

Por Fátima Pinheiro

Debate Do embrião ao testamento vital

O Tribunal Europeu de Justiça decidiu recentemente que não podem ser patenteadas investigações científicas com células estaminais que envolvam a destruição de embriões humanos. Perguntamos nós: mas porquê? Responde o tribunal: qualquer óvulo humano deve, desde a fase da sua fecundação, ser considerado um "embrião humano" quando essa fecundação for susceptível de desencadear o processo de desenvolvimento de um ser humano. Mas, perguntamos nós: o que nos leva a respeitar esse "embrião", quando hoje tanto se fala de eventuais possibilidades terapêuticas das células estaminais embrionárias? Quais são afinal as razões da dignidade assim, mais uma vez, reconhecida?

Entre nós o Parlamento discute agora quatro projetos de lei sobre o testamento vital (PS, PSD, CDS, BE). Os temas estão de certo modo conexos, porque uma investigação séria não olha integralmente o fim da vida sem olhar, também de forma inteira, para o seu começo. A Bioética cai sempre na praça pública como roleta. Ora sai o aborto, ora a eutanásia, ora a investigação em embriões excedentários, ora o estatuto do embrião, ora a arquitetura genética. Porque na realidade tudo se interliga.

As leis, nacionais e internacionais, não cessam de afirmar, como princípio, que a dignidade da vida humana deve ser respeitada. Nem as discussões sobre estes temas a põem em causa. É - também por isso - necessário encontrar as razões que estão na base de tal reconhecimento. A vida humana não é digna "porque sim". A Filosofia tem a competência para contribuir para este esclarecimento.

É simples. Espermatozóide e óvulo encontram-se. Tudo o que de mais criativo se faça parte desta base vital "dada". Ninguém inventa do nada; o coelho sai da cartola porque estava por perto, o resto é ilusão.

A Ciência trata do que é mensurável. E os avanços têm sido fantásticos. No entanto, ela não sabe dizer todos os fatores deste fenómeno "vida". Einstein, o cientista, admite a dimensão misteriosa da realidade, e, por muito que avance, embate nesse "algo" que será sempre espanto e interrogação. Na sua origem e no seu fim.

Quem não está, portanto, na posse de todos os dados, com que legitimidade pode "mexer", isto é, interferir num processo vital, do qual, em última análise, desconhece os contornos? A dignidade desse "algo" que é "grão de areia" - e um dia uma pessoa, e um dia, se for o caso, pessoa em estado vegetativo - vem desse excesso de ser, desse caráter misterioso que o torna intocável, sagrado. O ontológico precede, como sempre, o ético. Não se deve tocar porque não nos pertence, é um dado.

No que diz respeito ao testamento vital, em nome do princípio da autonomia não se estará nalguns casos a ignorar a dignidade da vida como a entendemos, de "algo" que, em última análise, não nos pertence? Em relação ao momento em que se faz o testamento muito pode acontecer: a pessoa estava informada? E se a ciência avançou? E se a pessoa mudou de vontade?

A dignidade da pessoa humana vem da autonomia ou é o contrário? Que se argumente. Pois para uma boa lei há que ter em conta todos os fatores e todas as consequências do que está em jogo. Como lembrou em relação ao Direito o saudoso Luís Archer: "Aprovar antes de se saber todas as consequências que as coisas vão ter, não é bom." Argumentar não se reduz a "falar" melhor e/ou mais alto. É esgrimir razões, ou, como alguém já o disse, alargar o uso da razão. Foi o que fez o Tribunal Europeu de Justiça.

(100mim.wordpress.com) A pedido da autora, este texto respeita as regras do Acordo Ortográfico

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