segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Uma dependência natural

À tendência, que pretende que a qualidade de vida depende do grau de autonomia,
pode-se opor que o homem é marcado durante toda a sua vida, desde o nascimento à
morte, pelas suas relações de solidariedade com os outros assim como pela ajuda que
ele presta a outro ou que lhe é prestada também pelo outro. O facto de que uma
pessoa tenha necessidade de assistência por parte de outro porque está necessitada,
não é contra natura, nem contrário à dignidade. A dignidade significa sempre mais do
que o respeito pela autonomia. A dignidade é igualmente o resultado duma interacção,
entre o necessitado e o que presta assistência. Ninguém acha contra natura que um
neo-nato tenha necessidade da sua mãe, e que uma criança em pleno crescimento
tenha necessidade dos seus pais e do meio em que está, e que nós possamos
enquanto que adultos apelar à assistência dos outros para certas funções vitais e que
igualmente prestemos assistência aos outros. Mas eis que isso levanta logo um
problema quando esta assistência de dirige aos doentes mentais idosos ou a pessoas
afectadas por deficiência desde o nascimento. Esta situação tornar-se-ia então
insuportável, e a dependência que daí se segue, tomaria proporções desumanas, ao
ponto de legitimar um pedido de eutanásia. Neste caso, a relação de assistência, que
se criou e com efeito se apresenta diferentemente, não poderia mais ser vista no
prolongamento dos cuidados anteriores, nem mesmo como a continuidade das
relações pré existentes. Tenho no espírito a imagem daquela mulher que, cada dia,
trazia ao seu marido gravemente doente e internado num dos nossos hospitais
psiquiátricos, a sobremesa e lha dava à colher, considerando este gesto como
expressão do seu amor durável por ele. Não parava de lhe falar gentilmente e de
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acariciar. Tratava-se dum amor depurado, sublimado, e isento de toda a expectativa
de retorno, um amor de puro dom.
Isso faz-nos reflectir no conceito de cuidado. No sentido mais lato do termo, pode-se
considerar esta atenção pelo outro como fundamentalmente ligada à condição
humana. Tomar cuidado, significa, neste caso, pôr tudo em acção para levar a uma
existência conforme à sua humanidade. Joan Tronto deu disso a definição seguinte: “o
cuidado é uma actividade que engloba tudo o que os homens fazem para assegurar a
subsistência do mundo, pô-lo em condições e mantê-lo, de forma que ele se torne “o
seu mundo”, onde poderão viver da melhor forma possível”. Mas este cuidado, que
está presente em cada homem como um facto, deve igualmente ser cultivado,
aprendido, assim como tantas outras coisas que fazem parte do ser devem ser
aprendidas, mostradas, exercidas. É a partir desta necessidade de cuidar da vida
própria, que se deve, nas relações com os outros, aceder a esta necessidade de
tratar. Os cuidados relevam aqui dum dever ético de nos preocuparmos pelo outro, de
nos deixarmos tocar pelas suas necessidades. É próprio do homem responder a este
apelo e assistir ao outro na necessidade.
 

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